O elixir da ciência do bem e do mal




       Naquela noite, o café preto servido sem açúcar ou adoçante numa xícara branca com floridos detalhes róseos estava quentíssimo, enquanto o ambiente exterior daquele lugar que aparentava ser uma lanchonete de beira de estrada se encontrava coberto pela alva neve que continuamente caía. como era possível não conhecer tal lugar, não saber onde estava e não lembrar de ter pedido o que quer que fosse, mas, ainda assim, sentir como se conhecesse, soubesse e lembrasse?
       Não sabia e a conformação disso levou o seu olhar para a bebida preta, o que levou à percepção de que o vapor que dela subia era, no mínimo, incomum. Densamente branco e condensado, ele ascendia ondulantemente, sem, no entanto, dispersar-se e desaparecer, ao invés disso, ia formando uma aglutinação amorfa que gradativamente foi deixando de o ser para assumir uma forma, uma medonha forma mista de serpente, touro e homem. Sobre os largos ombros e robustos braços de tal vapóreo ser, havia um sem-número de diminutos e inquietos lanceiros.
       A cada novo instante, conforme aquela imagem ia ficando mais e mais nítida e tangível, mais o vapor aproximava-se da jovial face de quem o estava observando, até que, enfim, foi tão abruptamente inspirado pelas suas narinas que quase provocou-lhe uma morte por sufocamento - fato que lhe deixou com as bochechas ruborizadas e o corpo tomado por súbito e intenso calor externo e interno.
       Com o vapor em suas entranhas, levantou-se já arrancando a marmórea mesa do chão, erguendo-a e arremessando-a sem qualquer esforço contra a vidraça da janela, que se estilhaçou. Era como se milhares de minúsculos indivíduos estivessem dentro do seu corpo, tentando tomar-lhe o controle, seriam aqueles inquietos lanceiros de vapor? Não se sabe, mas, ao resistir, acabou derrubando, arremessando e destruindo as coisas ao seu redor.
       Até que, repentinamente, uma paralisia fez com que caísse de barriga para cima, a cabeça batendo contra o chão, parecendo devolver-lhe a consciência, a qual foi útil para que se pudesse ao menos notar que havia todo o tipo de gente rodeando-lhe o corpo antes de desacordar e, então, acordar na cama do seu quarto superaquecido pelo anormalmente quente verão macapaense.





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Conto escrito em algum momento de 2010, em Santana-AP, tendo sido publicado em meu antigo blog 05 de março de 2014 e reescrito em 11 de outubro de 2017.





Ilustração:

A imagem escolhida para ilustrar este conto é oriunda da carta de Magic: The Gathering chamada "Krovikan Mist" (Névoa krovikana), de Jeremy Jarvis.

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